domingo, 19 de fevereiro de 2012

Sarau do Suburbano traz a periferia para o centro

Publicado em 15 de fevereiro de 2012
Fonte: http://www.spressosp.com.br/2012/02/sarau-do-suburbano-traz-a-periferia-para-o-centro/#comment-772

Fundado por Alessandro Buzo, espaço se torna referência da literatura marginal

Por:
Igor Carvalho


No coração do Bixiga, em meio ao frenesi do carnaval, com a rua pulsando ao ritmo de um bloco carnavalesco, um sarau. Na rua 13 de maio, um homem reúne amigos, curiosos e poetas, tudo em nome de um movimento que cresce vertiginosamente e que torna o personagem do gueto a figura central de sua arte e de sua reflexão, o grande herói de suas histórias. Os saraus da periferia representam mais do que um evento cultural e para compreendê-los o SPressoSP realiza mais uma matéria sobre esses coletivos. Nesta terça-feira (14) estivemos no Suburbano Convicto, a maior livraria de literatura marginal de São Paulo e sede, também, do Sarau do Suburbano, comandado por Alessandro Buzo.

Passava das 20h quando Buzo pediu silêncio para o início do Sarau, na acanhada sala aproximadamente 50 pessoas se espremiam. “Isso não é nada, tem dia que tem gente pela escada e até na rua”, orgulha-se Buzo, o fundador do espaço. Mostrando sua faceta múltipla, o sarau, desta terça, teve o lançamento do cd do grupo de rap CA.GE.BE, que cantou quatro músicas, entremeado pelas poesias declamadas por convidados, escritores anônimos e outros nem tanto.

O pernambucano Marcelino Freire foi uma das presenças conhecidas na livraria de Buzo. Organizador da Balada Literária, festival de literatura realizado anualmente, em São Paulo, Freire é um entusiasta dos saraus. “Eu estou sempre na Cooperifa, no Binho, no Sarau da Brasa, aqui no Suburbano. Essas iniciativas me estimulam muito, são companheiros de guerra, são irmãos da minha mesma teimosia. A Balada Literária nada mais é do que uma teimosia”, comenta o escritor, para, em seguida, tentar explicar por que esses coletivos têm tido tanta adesão nas periferias. “As pessoas colocam uma carga muito pesada na literatura, como se ela fosse uma coisa diferente dessa união que une música, cerveja, gente e esse espírito de guerrilha”, afirma Freire.

Ponto de encontro

Diferente de outros saraus, o Suburbano Convicto está na região central. Mas o sarau funciona como um ponto de articulação de todas as periferias. “Não me afasta de forma alguma [da periferia], a questão da gente estar no centro, é até bom, vem gente da norte, da leste, da sul e da oeste, um coletivo dialoga com o outro”, diz Buzo. A presença de Vagnão, fundador do Sarau da Brasa e de Paulo Rams, idealizador do Perifatividade, confirmam a tese de poeta.

Nesta terça, 25 pessoas se inscreveram para declamar poemas, todas chamadas com profundo entusiasmo por Buzo e Tubarão, seu “parceiro de milianos”. Os temas variavam, as duas únicas mulheres que declamaram na noite quiseram falar de amor, com versos próprios. Os demais sempre esbarravam em questões afirmativas para o homem da periferia e discursos politizados. “Não é que as pessoas na periferia querem ser contestadoras, mas é que o cara toma tanta porrada, aí ele precisa de um espaço para reagir, antigamente reagia na violência, hoje é escrevendo um livro. Quando você aprende a ter voz, você quer usar, aí fala o que tá incomodando e tem tanta coisa incomodando”, explica Buzo.

Em meio a livros, CD’s e DVD’s que contam a história do Hip Hop e da literatura marginal no Brasil, Buzo também declama seus poemas, que assim como tantos na noite, fazem uso de gírias tão presentes nas periferias. “Tem o lance da gíria, que é um dialeto próprio, em momentos, na escrita, não dá pra fugir da gíria, descrevendo uma cena, muitas vezes, eu recorro aos nossos dialetos.”

Produção cultural dos guetos

Segundo Buzo, com o crescimento do movimento de saraus pela periferia paulistana, muitos poetas têm conseguido publicar seus versos. “Importante mesmo é que os livros estão saindo e a qualidade é boa, outra coisa que impressiona é a quantidade, é muito livro. No meio desse universo não tem livro ruim, tem uns melhores, outros nem tanto, mas o importante é que estão escrevendo e se manifestando.”

MC César Sotaque, vocalista do Ca.GE.BE, grupo que lançava seu segundo CD, “O Vilarejo”, ressaltou a importância do espaço e do discurso com características próprias. “É um prazer estar aqui, no meio de tanta gente que tem uma produção intelectual importante para os guetos. É um espaço onde podemos expressar o que sentimos, a gente que mora nas quebradas não tem espaço em galerias, museus e centro culturais, então acabaram criando esses locais de cultura marginal, onde podemos produzir e apresentar nossa arte, sem nos desrespeitar, falando a nossa língua e sobre o nosso povo”, finaliza o rapper, que também é professor de história.

O sempre sorridente e tranquilo Alessandro Buzo encerrou a noite, absolutamente democrática, que começou com rap, passou pela embolada do repentista Rapadura, de Pernambuco, trilhou pela poesia, dando espaço para os jovens da “Casa das Expedições”, que lançaram o livro “Somos todos iguais” e terminou com uma intervenção de Marcelino Freire. Para Buzo, o sarau é irreversível e está apropriado pela periferia. “Antigamente fazia-se sarau e tinha chá, todo um ritual. Os filhos desses caras preferiram ir pra balada ouvir ‘putz putz’ (música eletrônica). Por mais que esse movimento tenha nascido no berço da burguesia, nós tomamos de assalto mesmo e não vamos devolver, hoje tem essa cena aí, linda né cara? De segunda a segunda você pode ir em um sarau em São Paulo.”

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